Sábado, 21 de Fevereiro de 2009, o sol tímido a prometer um dia sereno e o filho a correr à sua frente, com passinhos pequenos mas determinados. "Anda cá, Tomás, não te afastes". O encontro com o vizinho, uma breve troca de palavras, a limpeza das escadas do prédio e as lâmpadas que voltaram a fundir-se. "Filho, vem para aqui, olha a estrada" e a visão alegre dele pelo canto do olho. "Gosto em vê-lo, Honorato, cumprimentos à sua mulher". De súbito, uma travagem violenta como um grito na noite. E um grito, o seu, quando o Tomás, de corpo tão pequeno quanto os seus quatro anos de idade, foi projectado e caíu, inerte, no asfalto.
A chamada para o 112, gente e mais gente a acorrer ao local onde o Tomás jazia. A chegada da ambulância e da parafernália que viajara com ela. A ida para o hospital, a sirene a berrar agonia, a espera de vinte minutos que lhe pareceu ser de vinte horas e, depois... nada. "Lamento muito, não pudemos salvá-lo". A dor excruciante e mais nada, mais nada!
Completar-se-ão amanhã quatro anos.
Quatro anos desde que a vida passou a ser nada e a saber, justamente, ao que é: nada.
Quatro anos desde que as lágrimas asfixiam todos os sorrisos que esboçara até àquele dia, aquele dia de sol tímido que prometeu e não cumpriu.
Quatro anos de reclusão na culpa tentacular que nunca o abandona, antes o agarra e abafa e estrangula...
E só queria poder voltar atrás e dar a mão ao filho, correr com ele, com passinhos pequenos mas determinados. E saudar o Honorato, mas marimbar-se na limpeza das escadas e nas lâmpadas que voltaram a fundir-se.
Todos os dias sai de casa mascarado de homem completo, de homem livre. Maquinalmente, realiza o seu trabalho, despojado de si mesmo. No final da jornada, regressa um homem prestes a ruir, mas sem nunca se permitir que tal aconteça antes de rodar a chave na fechadura da porta de entrada, porque cresceu a ouvir que "um homem não chora".
Em casa, soluçante, percorre o mesmo caminho: Sábado, 21 de Fevereiro de 2009, o sol tímido a prometer um dia sereno e o filho a correr à sua frente, com passinhos pequenos mas determinados. Depois... nada, o pior da vida.
Em casa, tira a máscara e recolhe à prisão da sua perda e da sua culpa.
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