2.28.2013

A espera farta de medo

O meu maior medo é que anoiteça sem que os nossos caminhos se cruzem.
Experienciar o ocaso da minha vida sem que hajas demorado os teus olhos nos meus, sem que tenhamos respirado como se fôssemos um ser uno, sem que as nossas mãos se fundam para sempre.
Ludibrio este medo efabulando cenários em que, finalmente, nos encontraremos.
Então, em cada palco que construo, descubro objectos fora do lugar. Nos argumentos que escrevo, esbarro em incómodas inverosimilhanças. Somos ambos personagens densos, mas, quando nos redijo, resultamos despovoados.
E o medo regressa.
O que se passa é que o momento em que nos encontraremos será perfeito na natural imperfeição de tudo quanto existe. Não pode ser encenado nem ensaiado, não se traduz em palavras, só em luz e em calor e em sorrisos. Só em pautas musicais e em pele na pele e em abraços apertados.
Sonho-te. Tu em mim, no meu corpo, na minha voz e no meu riso, nas minhas passadas firmes sobre o areal que se estende em frente à casa que habito, nas minhas idas diárias ao quiosque onde compro o jornal matutino.
Quando acordo, não sei os teus traços, esforço a memória mas não estás em mim, nem no meu corpo, na minha voz ou no meu riso, nem nos passos que dou afundando os pés na areia. Estarás em alguma das notícias que leio no jornal matutino?, angustio-me.
E o medo regressa.
Nos rostos que encontro, perscruto-lhes o olhar, arrisco invadir-lhes a alma, ler-lhes os pensamentos e as emoções. Esquadrinho meticulosamente quem passa, procuro-te, é isso que faço. Se pressinto incómodo naqueles rostos, desculpo-me, "perdão, julguei que o conhecia", digo, prosaica.
É o medo que me acossa, sabes? O medo de que os nossos caminhos não se cruzem. O medo de que os nossos caminhos se cruzem e de que não nos avistemos.
Como se tal fosse possível..!
Tu és barco e eu sou farol. Avistar-nos-emos na manhã clara ou na tarde de tempestade.
Eu sou lume e tu és lenha, consumir-nos-emos, lentamente, na própria paixão redentora que nos anima.
Assaltada por estes pensamentos, apaziguo-me, a vida ganha um novo fôlego. Esqueço a consciência que tenho da minha finitude. E da tua. Esqueço que a espera é farta de medo.
Não anoiteceremos sem que nos demoremos um no outro. Até ao fim.
 
(ilustração retirada daqui)
 


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