2.07.2013

Livros por ler, cartas por escrever, sonhos por fazer acontecer

Eu costumava pensar que teria sempre tempo.
Tempo para ler todos os escritores que amo, descobrir novos.
Para me apaixonar perdidamente, gritá-lo a plenos pulmões, sem esperar resposta do vento.
Para escrever cartas de amor perfumadas, ridículas, cheias de deliciosas incongruências. Sem tino.
Para palmilhar "a cidade que nunca dorme", de mãos dadas com o destino bafejado pela fortuna.
Para, em anoiteceres e alvoradas sem fim, deixar-me envolver pela claridade frouxa, mas plena de promessas, da luz crepuscular, aspirando, com sofreguidão disfarçada, o ar da tarde ou da manhã.
Para ser e fazer tantas coisas que não cabiam, sequer, nos meus sonhos.
Até para mudar o penteado que usei anos a fio, como se de uma marca de nascença se tratasse.
Deitada, agora, nesta insípida cama de hospital, sei que o meu tempo escasseia. Nos intervalos de lucidez que a morfina consente, dou comigo a olhar para a minha vida como se fosse um filme em "rewind". Quero alterar o argumento mas não consigo. Horas que, então, me pareciam intermináveis, gastas em rotinas disparatadas de tão infrutíferas para o coração.
Casa, trabalho, casa. Minutos, horas, dias, anos. Casa, trabalho, casa.
O trabalho carregado às costas, como se fora uma pena a ser cumprida exemplarmente.
A casa, os seus afazeres repetidos, intoleravelmente repetitivos. Lavar a roupa, passá-la e guardá-la nos armários e gavetas, Ir às compras. Cozinhar. Pôr a mesa, levantá-la, lavar e arrumar a loiça. Aspirar, limpar o pó. Cuidar e educar os filhos, velar-lhes a cabeceira sempre que estavam doentes ou apenas indispostos.
A falta de loucura, de uma extravagância, pequena que fosse.
A paixão não foi rotina nem antídoto.
A memória da "grande maçã" está, tão-só, num conjunto de fotografias que, há quase duas décadas, uma amiga tirou na sua própria viagem de finalistas.
Os ocasos, reconheço, não os apreciei.
E tudo parece, já, tão longínquo.
Prostrada neste lugar de onde não regressarei, penso, com alguma amargura, que, na minha casa, nem uma cama ficou por fazer, mas muitos livros ficaram por ler, muitas cartas ficaram por escrever, muitos sonhos ficaram por fazer acontecer.
Na verdade, eu costumava pensar que teria sempre tempo.
 
(Imagem retirada daqui)

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