9.08.2012

Da perspectiva

Perspectiva, segundo o Dicionário Priberam da Língua Portuguesa, é a "arte de figurar no desenho as distâncias diversas que separam entre si os objectos".
Colocarmo-nos, a nós e aos outros, em perspectiva é, pois, uma arte. Uma arte do espírito. A cultivar, com dedicação e preserverança.
E porquê?
Porque, na verdade, se não nos colocarmos em perspectiva, jamais conseguiremos apreender qual é o nosso real valor, nas diversas dimensões do ser.
E, não conseguindo fazê-lo, pode suceder uma de duas coisas: ou nos temos por algo que não somos mas que gostaríamos de ser (e, nesse caso, não protagonizaremos mais do que uma farsa mal encenada que, porventura mais cedo do que mais tarde, será alvo de inevitável escrutínio e nos conduzirá ao encerramento das nossas próprias bilheteiras por falta de público - pelo menos, daquele que emprestaria algum relevo à humilde dramatização que é a vida), ou passamos pelos dias em atitude de infrutuosa subestimação, condenando a nossa existência a um sofrimento absolutamente inútil, estéril e, acima de tudo, imerecido.
É costume afirmar-se que "vale mais tarde do que nunca", pelo que, qualquer momento na nossa vida é adequado ao desenvolvimento da nobre tarefa de nos perspectivarmos.
Porém, fazê-lo exige verdade e exige coragem. Para nos confrontarmos connosco, com os nossos medos, com as nossas fraquezas, com os nossos defeitos e falhas, com a nossa forma de estar perante o mundo - o(s) outro(s)! - e a vida. Nem todos o conseguirão, é certo, mas estou certa de que todos deveríamos tentá-lo. Acima de tudo, para o nosso próprio bem, o que, convenhamos, constituirá um razoável incentivo até aos mais egoístas.
Perspectivarmo-nos pode ser, realmente, libertador.
Na verdade, se conduzirmos a nossa vida pela dita farsa mal encenada, ao perspectivarmo-nos, permitimo-nos entrar em cena, eventualmente, a tempo de despedir o mau encenador e de exigir do actor principal (nós mesmos) que estude bem o papel e que o interprete com um mínimo de decência, mas, se possível... magistralmente. Com verdade. Com amor. Podemos impor-lhe que salve a peça, antes que caia o pano sem que esteja lá quem se coloque de pé para aplaudi-lo. Alguém com relevo, entenda-se. Porque existe sempre um publicozinho que jamais fará uma crítica verdadeira à peça que é a nossa vida, todavia, através dele, jamais viveremos realmente. Jamais ascenderemos a um patamar de respeito profundo e de admiração.
Se, por outro lado, vivermos em atitude de absoluta subestimação, perspectivarmo-nos será, seguramente, o primeiro grande passo para uma existência mais consciente, mais edificante, mais feliz, portanto.
Tipicamente, o ser que se subestima sente que não é suficientemente bom e perfeito, que não fez o que dele era esperado (mesmo que tenha feito muito mais do que se lhe podia exigir e muito mais do que a generalidade das pessoas faria em situação similar), e, quando é distratado ou injustiçado, interioriza que não mereceu que os outros tivessem atitude diversa para consigo. O ser que se subestima, por natureza, não aceita ter feito e sido o melhor que podia, muito menos que os outros podem "apenas" ser pessoas cobardes, mal formadas ou qualquer outra coisa menos do que "perfeitas".
Isto, no mínimo, pode ser avassalador. E é, indismentivelmente, muito injusto.
E é por isso que, colocarmo-nos em perspectiva, desenharmo-nos no cenário e dispormos, nele, também, todos aqueles com quem nos relacionamos, é um exercício vital.
Para percebermos quem somos e o lugar que ocupamos e quem os outros são e o lugar que ocupam. Como somos para os outros e como os outros são para nós.
O que lhes damos, o que temos para lhes dar. O que eles nos dão, o que têm para nos dar. De si mesmos, bem entendido.
Exercício tão essencial como surpreendente. E curativo.

2 comentários:

  1. Gostei mesmo muito deste texto. Escreveste lindamente e foste muito realista. E, agora, pergunto-te: já te perspectivaste? Ou continuas a subestimar-te?

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  2. Muito obrigada.
    Estou numa fase (finalmente!) de franca exercitação, a perspectivar-me mais e a subestimar-me menos. Um trabalho em curso, portanto!
    Obrigada pela adesão aos blogues e suas páginas!

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