9.20.2012

A Estante das Grandes Oportunidades Perdidas

Protagonizava, num destes dias, um breve mas sempre épico episódio de autocomiseração, procurando fazer uma antevisão - fantasiosa, ou não, desconheço!, mas acredito piamente que o seja - do que sucederia se, um dia, com a grata generosidade que me caracteriza, oferecesse o meu livro (porque, nalgum lugar, no tempo e na vida, eu vou escrevê-lo!) a uma determinada pessoa, cuja identidade, naturalmente, irreleva por completo.
Estando empenhada neste meu infrutuoso exercício do "que triste sou por não poder contar-me entre os protagonistas da sua vida", recebo uma sempre bem-vinda bofetada moral da minha ilustre interlocutora, a C..
A C. é uma mulher extremamente inteligente, espirituosa e determinada, pouco dada a visões românticas de filmes de quarta categoria, como ela diz. Teima em "chamar-me à Terra" quando eu entro em espirais de autocrítica imerecida e de sofrimento associado a acontecimentos relativamente aos quais eu não tenho o chamado "domínio do facto".
Afirmava eu que, naquele cenário, o livro seria, apenas, deitado fora. O livro, como o resto, aliás, nada de novo.
A minha interlocutora disse, ipsis verbis: "- Pois eu acho que [...] o arrumava na estante das grandes oportunidades perdidas (se ainda tiver espaço)".
E assim ficámos. Nada mais sobre isso se disse. Nada mais havia, afinal, a dizer.
Se assim é, ou não, desconheço. Nunca saberei. E até pode ser que o livro nunca "saia". Ou que amanhã não estejamos cá para o ler, para o deitar fora, ou para o arrumar em qualquer estante, até na das grandes oportunidades perdidas.
A profundidade das palavras da C. (não sabe dizê-las de outra forma, aquela rapariga!) deixou-me, porém, a pensar.
Não que encarnei ou encarno qualquer oportunidade perdida para quem quer que seja. De todo.
Mas, sim, em que todos nós teremos a nossa estante das oportunidades perdidas. Grandes, médias ou pequenas. Oportunidades de mudança, de crescimento. De preenchimento interior.
Eu tenho a minha, certamente já com algum recheio. Vocês terão a vossa.
Porventura, nunca chegamos a apercebermo-nos, verdadeiramente, do quão preenchida ela vai ficando com o passar dos dias. Ou talvez apenas tomemos consciência disso no momento em que lá tentamos arquivar mais uma oportunidade perdida e verificamos que, ali, já não existe mais espaço.
Nesse dia, porventura, colapsamos por dentro. Ainda que continuemos a fingir muito.
Decidi, entretanto, que não quero perscrutar, nessa minha estante, o que lá jaz. Talvez valesse a pena procurar intuir se existe alguma coisa que ainda de lá pode ser retirada com vida.
Decidi, especialmente, que não quero e que não vou alimentar esta estante cemitério.
Noutra conversa e noutro contexto, dizia-me, ainda, a C., reconduzindo-me, porém, ao mesmo lugar: "- Gosto muito desta ideia: vamos na vida e há um corredor cheio de portas. Se não as abrires, não vais saber o que lá está. Se abrires... haverá dificuldades, mas também coisas boas".
Um brinde, pois, ao abrir de portas.


 

6 comentários:

  1. Um brinde às portas abertas e a tudo o que consigamos aprender com o que de lá encontrarmos!

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  2. Eu prefiro ignorar a minha estante das oportunidades perdidas e as portas fechadas. Vivo com as oportunidades aproveitadas e com as portas que abri...

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    1. O importante - parece-me - é não passar a vida a alimentar (est)a estante (mais do que se alimenta a das oportunidades aproveitadas)! Pelo menos, para mim. O passado é passado, e é lá que deve ficar... a menos que possa tornar-se, novamente, presente, e nesse caso... tudo se encerra na ponderação que se faça quanto às chamadas "segundas oportunidades".
      Que as há. Mas nem todas as oportunidades perdidas são recuperáveis, daí que, no meu entender, a alimentação da estante deva ser cautelosa e ponderada. Não sustento que se deva sofrer - em demasia - pelo que se não fez, pelo que não se agarrou, pelas portas que se não abriram, ainda que por medo do que encerravam atrás de si. Mas penso que, pelo menos, devemo-nos uma reflexão. Eu sou um pouco (muito) avessa às atitudes de negação, de "pôr para baixo do tapete". Mas é apenas a minha forma de sentir.

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  3. Todos teremos uma "Estante das Grandes Oportunidades Perdidas". Apenas alguns terão a coragem de olhar para o que lá está e, se efectivamente irrecuperáveis, não deixar perder as próximas que surjam.
    Vale sempre a pena abrir portas. Abrir portas é viver. Coisas boas e outras nem tanto.

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  4. Pois eu cá tenho Estante das Grandes Oportunidades em Espera!!!! São coisas que QUERO MUITO fazer mas que por uma razão ou outra ainda não as concretizei. Não quero pensar que são perdidas... quero ter a certeza de que estão em espera pelo MOMENTO CERTO, seja ele por que razão for, para serem concretizadas.
    Experimenta transformar o Perdidas em Em Espera e vais ver que em vez de te remoeres por não as ter feitos vais sentir uma ENORME força interior em saberes que as podes, um dia, realizar! :)
    E sim, quero estar aqui para o ter, nas mão, impresso e assinado! Acredito nisso e já te o disse muitas vezes!

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    1. São coisas distintas... as oportunidades perdidas e as que subsistem a aguardar pelo momento certo para a sua concretização.
      Genericamente, custa muito às pessoas admitir terem oportunidades realmente perdidas, por isso, preferem não olhar para as estantes onde elas se acumulam. Normalmente, porque não estão seguras da nobreza e da importância das opções que fizeram. Porque a vida é feita de opções.
      Penso que não devemos remoer-nos a olhar para a estante. Acima de tudo, devemos tirar ilacções para o futuro. Mas isso pressupõe que admitamos que aquelas oportunidades de felicidade se perderam, até como forma de criar mecanismos que nos permitam, futuramente, estar mais despertos e ser mais corajosos. Abrir as portas, ainda que isso nos dê a sensação, momentânra, de "perder o chão". Com riscos calculados, bem visto.
      O livro... Vejo-o como algo com potencial para um dia germinar! E sim, se isso acontecer, e quando acontecer, tê-lo-às nas tuas mãos, oferecido por mim, com gratidão pelo teu acreditar.

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