10.04.2012

Os professores das nossas vidas

"O mundo não nasceu connosco. Essa ligeira ilusão é mais um sinal da imperfeição que nos cobre os sentidos. Chegámos num dia que não recordamos, mas que celebramos anualmente; depois, pouco a pouco, a neblina foi-se desfazendo nos objectos até que, por fim, conseguimos reconhecer-nos ao espelho. Nessa idade, não sabíamos o suficiente para percebermos que não sabíamos nada. Foi então que chegaram os professores. Traziam todo o conhecimento do mundo que nos antecedeu. Lançaram-se na tarefa de nos actualizar com o presente da nossa espécie e da nossa civilização. Essa tarefa, sabemo-lo hoje, é infinita".
Num texto que escreveu para a revista Visão de 13 de Outubro do ano transacto, de que a citação que antecede foi retirada (e cujo texto integral pode ler-se aqui), o escritor José Luís Peixoto expressa a sua opinião sobre os professores, o seu papel na vida de cada um de nós e da comunidade em geral. Marca o trabalho dos professores com o selo da generosidade. E faz-nos apelo ao esforço mínimo da memória e ao sentimento, pequenino, de gratidão, para que nos apercebamos do quanto devemos aos professores. Coloca nas mãos dos professores a bandeira de guardiões da esperança, pela sua prática diária, pela sua resistência. E intima-nos a sentirmos vergonha de verbalizar termos perdido a esperança e de termos desistido de lutar pelo ultrapassar das nossas dificuldades. De termos desistido de viver. "Sabemos que estamos aqui, o sangue atravessa-nos o corpo", escreve.
Sempre tive um respeito imenso pelos professores. Pela sua dedicação ao outro, pela sua persistência e, sim, pela sua resistência. Ensinar é, sem dúvida, tarefa árdua mas será também, estou segura, uma das mais compensadoras que existem. Como salvar vidas. Como devolver a paz e a segurança aos cidadãos através de uma correcta administração da justiça. Todas elas tarefas nobres. E compensadoras, na sua essência, mau grado o quão mal o poder político vem tratando os profissionais que lhes dão o seu corpo e sua alma. E, tantas e tantas vezes, as suas lágrimas, a sua saúde e todo o seu tempo útil.
Nunca esquecerei alguns dos professores que fizeram parte do meu percurso enquanto estudante. Alguns, por (tão) boas razões, outros, por razões assaz absurdas. Estes, porém, pertencem àquela franja marginal dos "professores por obrigação" - não gostaria de afirmá-los "professores por falta de alternativa" -, por contraposição aos professores por vocação, e é, evidentemente, a estes, e apenas a estes, que me refiro neste texto.
Os outros, na verdade, são professores como podiam ser bibliotecários, padeiros, bancários ou agentes imobiliários. Ou outra coisa qualquer, desde que a sua craveira intelectual lho permitisse, obviamente.
Aos dezasseis, e durante dois anos lectivos completos, tive o privilégio de ter sido aluna do professor J.F., que, então, leccionava Língua Portuguesa na escola que eu frequentava. Recordo, com algum assombro, o sentimento que, durante todo um - o primeiro - mês, ele despertava em mim.
Intimidação. Eu sentia-me realmente intimidada pela simples presença dele. Não que o mesmo manifestasse qualquer agressividade, sequer no tom da sua oratória. Era um sentimento que despoletava alguma agonia, mesmo física, em mim, mas que, de forma objectiva e racional, eu não conseguia explicar.
Umas semanas mais tarde, compreendi finalmente. O professor J.F. era um homem de alma grande, enorme. Era um gigante. E os gigantes intimidam-nos sempre pelo seu tamanho, mas não, necessariamente, pela sua personalidade e forma de estar na vida e no mundo. Essa, a deste professor, enlevava-me, fazia-me querer ser sempre melhor, dar mais de mim, mostrar-lhe, de modo grato, que o trabalho dele não era em vão. Que a generosidade do que ele me dava tinha retorno, expresso na minha gratidão e no meu empenho.
Esse, foi o tempo da descoberta do "Clube dos Poetas Mortos", um dos filmes que ficará sempre na minha memória e no meu coração. Da descoberta d' "Os Maias" (não de Eça de Queiroz, que já, então, me acompanhava na vida há dois ou três anos), das "Folhas Caídas", do sonho de um dia publicar, como o professor. Tempos que, nessa medida, recordo com muita saudade.
"Carpe diem. Seize the day, boys! Make your lives extraordinary!"
 
 
 

1 comentário:

  1. Gostei muito deste texto. Também eu tive professores inspiradores, em particular a minha professora de francês.
    É uma profissão nobre. É uma pena que nestes tempos seja tão pouco valorizada.

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